sábado, 7 de março de 2015

"A verdade por trás das 'confissões voluntárias'"


Segue abaixo, traduzido por mim a partir do inglês, texto escrito por Leon Trotsky no final de janeiro de 1937, a propósito do segundo "Processo de Moscou". Tal julgamento, o "caso dos dezessete", teve como réus principais Karl Radek e Yuri Pyatakov, ao passo que o processo anterior, o "caso dos dezesseis", teve como alvos notadamente Zinoviev e Kamenev.

Como é cediço, os famigerados "processos" foram instrumento de chicana stalinista para consolidar o poder da burocracia dominante e eliminar, fisicamente, quaisquer resquícios de oposição. Além da ignomínia do ponto de vista político, consistiram em uma afronta aos princípios mais elementares do Direito: basta que se diga, para ficarmos com apenas um de inúmeros exemplos, que tal segundo processo, que culminou na execução de mais de uma dezena de bolcheviques históricos, foi concluído no prazo sumaríssimo de uma semana.

A verdade por trás das "confissões voluntárias"

Leon Trotsky
23 de janeiro de 1937

O novo julgamento, como fica claro desde o primeiro despacho, é novamente baseado nas confissões "voluntárias" dos acusados. Onde, em toda história mundial, é possível encontrar exemplos de terroristas, traidores e espiões que levaram adiante sua carreira criminosa ao longo dos anos para então, como que por uma mesma ordem, todos ao mesmo tempo se arrependerem de seus crimes? Só uma corte inquisitorial é capaz de tais resultados. Todos os réus que recusam a ordem de arrependimento são executados já durante as investigações. Apenas aquelas vítimas desmoralizadas, empenhadas em salvar suas vidas ao preço da morte moral, sentam nos bancos dos réus.

Desta vez, a primeira testemunha contra mim aparentemente é Radek. Em dezembro de 1935, eu supostamente teria lhe escrito uma carta sobre a necessidade de uma aliança com os japoneses e os alemães. Eu declaro:

1. Encerrei todas as minhas relações com Radek em 1928. Eu tenho comigo correspondência que comprova o rompimento em definitivo. Nos últimos 8 anos, escrevi sobre Radek apenas em tom de desprezo.

2. Radek é um jornalista talentoso, mas não um político. Nenhum dos líderes do Partido sequer levava Radek a sério. No congresso de 1918, Lênin por duas vezes comentou, "hoje Radek acidentalmente emitiu um pensamento ponderado". Essa era nossa atitude geral para com Radek, mesmo quando havia boas relações pessoais. Por que eu escolheria Radek para a posição de meu agente de confiança? Por que Zinoviev, Kamenev e Smirnov, pessoas incomparavelmente mais responsáveis e sérias, não mencionaram sequer uma palavra sobre essa carta e meus planos de desmembramento da União Soviética?

3. Radek supostamente se comunicava comigo através do correspondente do Izvestia, Vladimir Romm. É a primeira vez que ouço esse nome. Nunca tive qualquer conexão com tal indivíduo, direta ou indiretamente. O informe é de que Romm foi preso. Que Romm diga à corte, portanto, quando e onde encontrou a mim ou aos meus representantes. Deixem que ele descreva a cena, a situação e nossa aparência física. Assim, evitará repetir os disparates do réu Goltsman, que supostamente teria encontrado meu filho em Copenhagen, onde nunca esteve, e no Hotel Bristol, o qual fora demolido em 1917.

Todos esses "detalhes", contudo, ficam em segundo plano diante do absurdo elementar da acusação. Ninguém ousaria negar que nas minhas atividades práticas, trabalho literário e extensa correspondência, pode ser observado, ao longo de 40 anos, pensamento marxista revolucionário. Poderia uma pessoa adulta, que não seja imbecil, imaginar sequer por um minuto que eu seria capaz de entrar em aliança com Hitler contra a União Soviética e os países do Danúbio, ou com o militarismo japonês contra a China e União Soviética? O absurdo da acusação supera sua falta de bases! E justamente por isso fracassará. A imprensa do Comintern, isto é, a imprensa da GPU, despejará calúnias. A imprensa independente e honesta, por sua vez, me ajudará a provar a verdade. Por meio de argumentos, testemunhos, depoimentos, documentos, e, finalmente, pelo trabalho da minha vida inteira, eu estou imensuravelmente muito melhor equipado que os acusadores da GPU. O governo mexicano, que me ofereceu a mais generosa hospitalidade, não me impedirá, acredito firmemente, de levar até o fim o desmascaramento dos crimes de Moscou.

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Fonte: "The truth behind the 'voluntary confessions'". In "Writings of Leon Trotsky (1936-37)".p.144-145. Pathfinder: Nova Iorque, 2010.
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