quinta-feira, 27 de julho de 2017

A sociedade espanhola de classes na Guerra Civil


O mês de julho deste ano marca os 81 anos do início da Guerra Civil Espanhola (7 de julho de 1936 a 1 de abril de 1939). Para lembrar a data, publicamos o artigo abaixo. É fundamental, ao analisar o período a partir da posição da esquerda revolucionária, denunciar o papel nefasto do stalinismo, cuja política conciliadora de classes, via "frente popular", esmiuçada por Leon Trotsky em Menchevismo e Bolchevismo na Espanha, bem como sua perseguição a quadros da esquerda não-stalinista, como o dirigente do POUM Andreu Nin, barbaramente trucidado por agentes da NKVD, muito contribuiu para a vitória das forças fascistas de Franco.

A sociedade espanhola de classes na Guerra Civil

Kelson Antônio Maximiano
Historiador

Introdução

Em um pequeno país europeu há muito despido de sua glória antiga, reduzido apenas a um território auto-suficiente, o conflito o torna “símbolo de uma luta global”. A Espanha agora se via em uma guerra fratricida da qual seu resultado final representaria uma ditadura que só se findaria em 1975.

Segundo Hebert L. Mattews, a Guerra Civil Espanhola significou uma nação que:

Dilacerada por discórdia interna depois de meio século e meio de governo deficiente, injustiça social, corrupção, hegemonias do exército, da Igreja e do capitalismo reacionário, bem como de violência revolucionárias por parte dos operários e dos camponeses organizados, a Espanha explodiu. (MATTEWS, 1975, p. 1)

O embate espanhol poderia ser também chamado de luta de classes, que cada uma delas lutava por manter sua cabeça fora da água e respirar. Com o crescimento das manifestações sociais em toda Espanha, a reação dos setores mais conservadores era apenas questão de tempo. Assim sendo, “as massas armadas tinham entrado no palco da história não como espectadores passivos ou trocadores de cenário, mas como atores” (NIN, 1969, p.19).

A guerra espanhola também é a primeira a mostrar a face mais hedionda do fascismo (fora do eixo Roma-Berlim). A falange de José Primo Rivera - este que sucumbirá durante a guerra sendo fuzilado -, servirá junto com a igreja católica, de acervo ideológico para os ultranacionalistas golpistas. Em compensação, a milícia republicana, além de comunistas e socialistas, terá o engajamento de anarquistas e mesmo da maçonaria, porém, a fragmentação interna será responsável pelo seu enfraquecimento.

A compreensão da realidade social espanhola da época é necessária para entender a guerra. É a movimentação social que será responsável pelo revigoramento de forças que pareciam ter sido subjugadas. É a ideologia vermelha que despertará o ódio clerical, pois o clero corre risco permanente de frente à crescente popularidade das ideias socialistas, significando uma reconfiguração social que segue o desenvolvimento das forças produtivas que, ainda que pequenas, começam a dar um novo matiz ao país conhecido por sua tradição conservadora.

Distúrbios sociais e econômicos na Espanha da década de 1930

A Espanha do inicio do século XX vivia um período de grandes transformações políticas, econômicas e sociais. Vivia um período que, apesar da formação de um governo republicano, ainda permanecia os desequilíbrios estruturais que determinariam as ações políticas e sociais na sociedade espanhola. Essas crises refletirão tanto campo como na cidade.

O grande latifúndio representava uma sociedade ainda de maioria rural e que acima de tudo, sua estrutura permanecia como outrora, e em certas regiões, agricultura, além de precária, não era mecanizada. Esse fator pode sugerir um latifúndio de baixa produtividade. “Ora, cultivada quase sempre extensivamente, ela exclui a exploração média mecanizada, e coexiste somente com uma propriedade parcelada minúscula e desaparelhada.” (VILAR, 1989, p. 11)

Se essas divergências serão responsáveis por conduzir essa massa de desempregados do campo a diversos conflitos, ocorrerá a reação dos grandes proprietários que além de descontentes com o regime republicano, ainda enxergava o perigo de um regime comunista na Espanha.

Porém, a questão fundiária na Espanha é multifacetada. Temos, por exemplo, na Galícia, o problema em que o minifúndio será o reprodutor da miséria, não conseguindo estabelecer uma base de produção continua. Na Catalunha, existia um agudo conflito de classes entre proprietários e arrendatários. No centro-norte (Castela-Leão), a força ideológica dos grandes proprietários consegue induzir a massa de camponeses às ideias conservadoras em torno do Campo versus Cidade (VILAR, 1989, p. 13).

Infere-se a partir destes conflitos, uma concreta contradição social que é responsável pela deteriorização das relações entre trabalhadores do campo e grandes proprietários de terras, isto é, aqui se estabelece pelas condições materiais a dialética responsável por ocasionar a tensões em torno das perspectivas de sobrevivência.

Os problemas urbanos também serão sinal da fragilidade econômica espanhola na década de 30. A Espanha ainda vivia a sua industrialização e não possuía um desenvolvimento industrial pleno. Isso sugere também uma classe operária ainda em pequeno número e em formação. Entretanto, com o processo de urbanização, que as cidades cresciam ou inchavam, isso significava a constituição também de uma massa de miseráveis, mal pagos e desempregados muito semelhante as condições do século XIX nos países de industrialização avançada. Havia assim, constantes mobilizações de greve em torno das grandes cidades. Madri e Barcelona contavam com dois milhões de habitantes; sem contar outras com mais de cem mil habitantes (VILAR, 1980, p 14).

As revoltas na Espanha, tanto no campo quanto na cidade, eram ingredientes da qual as classes conservadoras temiam; estes enxergavam uma possibilidade clara da implantação do comunismo em território espanhol.

Hobsbawm em "A Era dos Extremos" salienta que as reformas promovida pelos liberais, não foram suficientes, para aplacar os ânimos da população empobrecida, que o grau de miséria permanece o mesmo gerando as condições objetivas para a deflagração de uma revolução. Isso significava que

Os bem-intencionados liberais, anticlericais e maçons ao estilo do século XIX dos países latinos, tomam o poder dos Bourbon numa revolução pacífica em 1931, não puderam nem conter a fermentação social dos espanhóis pobres, nas cidades e nos campos, nem desativá-las com reformas sociais efetivas (ou seja, basicamente agrária). Em 1933, foram afastados por governos conservadores, cuja política de repressão a agitações e insurreições locais, como a revolta dos mineiros asturianos em 1934, simplesmente ajudou a aumentar a pressão revolucionária potencial. (HOBSBAWM, 2001, p. 158)

Poder-se-ia canalizar as forças para uma ruptura na Espanha, e de certa forma quando da guerra, são os habitantes das cidades os principais efetivos responsáveis por defender a República, mas não o suficiente para lidar com o bem treinado e armado exército de Franco.

Esses aspectos também revelam uma profunda crise de sua economia. Para Pierre Vilar, a crise Espanhola teria pouca influência do crack de 1929. Segundo ele, o fator de atraso industrial espanhol já configurava em uma crise anterior. A Espanha era um país periférico na Europa, resultante de seu processo industrial lento. Segundo Vilar, “a Espanha não é nem bastante industrializada nem bastante ligada aos mercados exteriores para refletir sem nuanças a grande crise. Para produtos de consumo popular, o mercado interno e dominante.” (VILAR, 1989, p.30)

Não seria isso um isolacionismo espanhol, apenas refletia a construção de modelo capitalista industrial em desenvolvimento, o que também ajuda explicar as condições materiais das revoltas populares em torno de melhores condições de vida.

Fatores sociais conservadores

Com a vitória da Frente Popular, mesmo que com uma pequena margem de diferença, ainda não foi possível o fortalecimento da República. Além do fracasso liberal, também não podemos esquecer o fracasso da esquerda. Se por um momento parecia que rumaria para uma unidade o fortalecimento com a Frente Popular, acaba por se tornar divisão durante o período de guerra.

Essa fragmentação fica mais clara durante o período de enfrentamento da guerra civil. Se por um lado os socialistas, comunistas e mesmo os anarquistas, combatem um inimigo comum, há embates internos que acabam por precarizar a organização de luta contra os nacionalistas. De certa forma, o governo Republicano acaba por ficar dividido de fato.

Ao contrário das milícias republicanas, não foi difícil pata os golpistas, a organização de uma sublevação militar. Apoiados pelos carlistas, movimento ultra tradicionalista e monarquista e pela Igreja Católica, general Franco marchou sobre a Espanha republicana espalhando terror.

Assim como na Itália, o fascismo da Falange de Franco se impôs por meio da violência, mas ao contrário do que foi a Itália de Mussolini, a Espanha sangrou gravemente em uma das mais cruéis guerras civis da história.

O “pronunciamiento ou golpe militar” se dá com sucessivas alianças de setores que combatiam qualquer forma de governo que ferisse a organização tradicional da sociedade, entre as quais a Igreja e os Militares.

Assim como os regimes fascistas da Itália e Alemanha, na Espanha pretendia-se a implantação do mesmo viés nacionalista. Com um país que se assemelhava a um barril de pólvora e que preste a irromper com uma ordem tradicional fracassada, necessitava de uma tomada de poder pelos métodos do medo e repressão. A guerra Civil espanhola pode ser definida como “um golpe destinado a restaurar a lei e a ordem [que] foi tramado por alguns generais espanhóis insatisfeitos [...]” (MATTHEWS, 1975, p. 1).

O regime fascista na Espanha se apossa do poder por meio de uma guerra. Ao contrário da Itália que foi mediante um blefe, e na Alemanha mediante ao vácuo deixado pela esquerda, a reviravolta se deu em contornos extremos, onde uma população, principalmente das cidades, defenderam ferrenhamente o governo republicano. Tanto é que, foi necessária ajuda de Hitler e Mussolini e de certa conivência internacional por parte das potências. O direito de defesa contra a truculência ultranacionalista de Franco e seus Aliados foi negado. “O governo republicano, eleito legitimamente, tinha direito, pela lei internacional, de comprar armas para se defender. Nenhuma potência democrática lhe quis vender armas.” (MATTHEWS, 1975, p. 5)

Podemos dizer que o avanço do fascismo na Espanha se deve a inoperância das potências. Mesmo a Inglaterra e França que além de evitar um confronto direto com a Alemanha, também possuía certas simpatias, pois acreditava que Hitler era um baluarte contra a onda vermelha da Rússia.

Mesmo os parcos recursos enviados pela URSS, não foram capazes de equipar os republicanos. Ao contrário, a Alemanha e Itália mandavam grande número de armamentos e soldados. Principalmente para Hitler, significou um teste para força bélica alemã. O povoado de Guernica é exemplo sumário desse exemplo.

O interessante que na Espanha, o teor do golpe além de se configurar em um apelo nacionalista e também o embate entre campo e cidade, ele não assume – pelo menos a priori – um caráter racista. Franco e seu fascismo falangista se caracterizam pelo combate ao caráter classista das revoltas populares. Pode-se dizer que o combate ao comunismo é algo comum as manifestações do fascismo em todo mundo, na revolta espanhola o medo é do crescimento das ideias socialistas, vide a vitória nas eleições.

Outra característica que seria de extrema relevância seria o apoio da Igreja. As referências a uma cruzada contra o bolchevismo internacional e mesmo contra a República que significava a deturpação dos costumes religiosos tradicionais seriam fatores na qual os nacionalistas receberiam apoio da igreja. O papel milenar da cultura clerical mesmo entre a população e, mais uma vez entre a população do campo, seriam fatores de fortalecimento da luta contra o fantasma do comunismo. Gerson Wansen Fraga diz que,

A nova cruzada espanhola, contudo, guardava alguns traços de novidade diante dos acontecimentos que integrava os compêndios de História nacional. Agora, por exemplo, o mouro não se constituía no invasor a ser expulso do país, mas era, ao contrário, um verdadeiro braço armado do conservadorismo, temido por seus inimigos pela sua fúria e crueldade. Em poucos momentos, o contingente de tropas mouras mostrou-se decisivo a fim de quebrar a resistência oferecida pelos republicanos. Assim, o novo Inimigo não se constituía um povo invasor, mas em compatriotas que se posicionavam nas trincheiras adversárias e que, por motivos diversos, professavam naquele momento uma ideologia contrária ao conservadorismo. (FRAGA, 2004 p. 110)

A Igreja acabará também por propagandear as ideias do franquismo contra as forças republicanas. Assim diz Vilar:

A Espanha do século XX herda do século XIX graves desequilíbrios; sociais: vestígios do antigo regime agrário, estruturas incoerentes da indústria; regionais: um desenvolvimento desigual opõe, mental e, antigas materialmente, no seio do Estado, antigas formações históricas; espirituais: a Igreja católica mantém uma pretensão dominadora à qual responde o um anticlericalismo militantes, político-ideológco em uma certa burguesia, passional nas massas populares anarquizantes. É o peso desses problemas que é preciso medir antes de mais nada.(VILAR, 1989: 11)

Outro setor que serviu de apoio ao exército de general Franco foi o Carlismo. A força do tradicionalismo carlista contra o liberalismo estava na questão dinástica, na defesa dos privilégios e das tradições locais e na defesa das questões religiosas. Podemos entender a partir daí que as forças reacionárias de Franco eram formadas pelos setores mais conservadores da sociedade espanhola, assim como também da própria Europa, que, através de Alemanha e Itália, conseguiram se impor.

Considerações Finais

A Guerra Civil Espanhola foi um marco na história da Europa do século XX. A Espanha que do seu poderio do século XVI não sobrara praticamente nada, representava agora apenas um país periférico. O advento da guerra traz novamente os holofotes ao país ibérico. Não poucas movimentações internacionais foram dirigidas para lá.

A Espanha acaba por se tornar um símbolo um símbolo maniqueísta por sua luta. Direita e esquerda tornaram-se conceitos concretos de luta e sangue. Uma Espanha, herdeira de todo seu tradicionalismo reacionário e de classe, ressurge para combater a Espanha que emergia através de conflitos de trabalhadores do campo e da cidade contra a estrutura social, econômica e política que ainda permanecia. Ditadores, monarquistas e clero contra a República legitimamente eleita.

Sim, sabemos que as potências se calaram, Inglaterra, França e Estados Unidos não esboçaram reação alguma diante do ataque a um regime agora democrático. A Rússia, timidamente enviava provisões armas e efetivos, mas insuficientes contra a fúria sanguinária de Franco e seus comandados.

A República, além de Franco, Hitler e Mussolini, tinha que enfrentar a si. Em suas entranhas, socialistas, comunistas e anarquistas se digladiavam em uma luta feroz pelo poder.

A guerra da Espanha representou o enfrentamento de um monstro. Coube aos próprios trabalhadores espanhóis a defesa da República democrática legitimamente evocada através do voto popular. Infelizmente, tanto os liberais, quanto os socialistas, fracassaram; não conseguiram romper de maneira efetiva com a estrutura defasada da Espanha que ainda subjazia de maneira latente.

A República Espanhola lidou com um monstro bem alimentado. Mostrou que o mito do herói, onde os corajosos e devotados do bem maior não conseguem vencer apenas com bravura.

Acima de tudo, foi descortinado o potencial destrutivo do fascismo que, na Espanha, ensaiou seu grito de destruição e medo que viria com a Segunda Grande Guerra.

*

Referências bibliográficas

MATTHEWS, Hebert L. Metade da Espanha Morreu – Reflexões atuais sobre a Guerra Civil Espanhola. Tradução: Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.

VILAR, Pierre. A Guerra da Espanha. Tradução Regina Célia Xavier Freire. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1989.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos. Tradução: Marcos Santarrita 2° Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

VILAR, Pierre. A Guerra da Espanha. Tradução Regina Célia Xavier Freire. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1989.

FRAGA, Gerson Wasen. Brancos e Vermelhos:A Guerra Civil Espanhola Através das Paginas do Jornal Correio do Povo (1936 – 1939). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande Sul, 2004, p 110. http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13072/000411862.pdf?sequence=1

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