quarta-feira, 5 de julho de 2017

Pequena nota sobre o poder da greve



Graco Babeuf
simpatizante do
Coletivo Espaço Marxista

A democracia burguesa é inimiga do desenvolvimento da consciência da luta de classes. O mundo da igualdade perante a lei legitima-se no discurso da igualdade de oportunidades ao mesmo tempo em que escamoteia a desigualdade de condições, levando a um certo conformismo com o status quo ante a possibilidade de ascensão social e identificação dos excluídos com os excluidores. As grandes transformações sociais ocorreram não pela convivência pacífica entre os diferentes socialmente, mas devido a uma situação de tensão extremada entre aqueles que possuem muito e os que possuem pouco. E para os que possuem muito, o maior perigo vem das camadas que não possuem nada a perder. Foram nos momentos iniciais da Revolução Industrial e do desenvolvimento do capitalismo no período fordista taylorista que o movimento sindical classista fortaleceu-se. Os trabalhadores, com quase direito nenhum, reivindicaram férias, descanso remunerado e aposentadora.

A democracia burguesa é um anestésico às demandas sociais. Numa igualdade formal, o que se pode perder é, ilusoriamente, a possibilidade de ter algo a perder, é a capacidade de ascensão social. Desta forma, a arma contra uma verdadeira equidade social tem se baseado na igualdade meramente formal. E a ilusão dessa igualdade é estimulada pelo incessante pedido de consumo por parte da mídia. O trabalhador, que pouco tem, mas que entre seus pertences está o desejo e a ilusão de possuir mais, acaba acomodando-se em seu trabalho por medo de perder o emprego, de perder a possibilidade de consumir ainda mais, não percebendo o confronto implícito entre capital x trabalho em sua atividade.

Um dos instrumentos históricos da luta entre capital x trabalho é a greve. Uma greve, em termos contemporâneos pode ser definida como um movimento de “ações isoladas de abando coletivo do trabalho, voltado para reivindicações salariais. O termo (...) foi utilizado também para designar o protesto coletivo contra a falta de trabalho” (CASTRO, p17, 18). Parar a produção é parar o ciclo capitalista taylorista “time is money”, um tempo a mais, um produto a mais, uma mercadoria a mais, uma venda a mais, um dinheiro a mais. Parar a produção é parar o ciclo de extração de mais vaila, é trancar o sistema produtivo. É por isso que uma greve incomoda. Uma greve tem que incomodar.

A greve, em si, não tem potencial revolucionário ao reivindicar uma questão pontual, uma melhora, mas, por outro lado, é uma expressão do antagonismo de classe, ela ocorre quando a concessão pura e simples da capacidade de trabalho por uma remuneração já não é mais possível, quando o trabalhador já não consegue mais repôr-se enquanto força de trabalho. De um lado, um deficit, que se for representativo de uma categoria, aparece diretamente em contraste com um ávit. O trabalhador já sem suas condições mínimas versus o empregador que nega-se a reduzir seu padrão de vida. Cabe ao partido ou ao sindicato apropriar-se do significado do momento e tornar o que é eventual, momentâneo, expressão de uma conjuntura, em uma matéria para o desvendamento do que é estrutural, do que é efetivo. É necessário apropriar-se da situação de greve para transformá-la em situação didática. É necessário transformar um momento de greve em estado revolucionário.

A greve, no mundo uberizado, ou mesmo no toyotista, em termos práticos, perdeu seu poder transformador, perdeu sua capacidade de conduzir a uma melhora na qualidade de vida do trabalhador. Mesmo teoricamente, o trabalhador, enquadrado como agente dos novos movimentos sociais, ganhou opção sexual, credo, diluiu-se em uma enorme variedade de possibilidades identitárias e flutuantes. O suposto desenvolvimento econômico também tirou-lhe os motivos mais enraizados de ir para a rua, de ter algo a perder. Sindicatos hoje reivindicam, não mais melhorias de condições de trabalho, mas a permanência no mesmo. A submissão tornou-se concessão, trabalhar virou privilégio. Assim, criou-se uma outra dicotomia entre os que estão empregados, explorados, e os querem ocupar postos na exploração. Essa é uma das formas em que a greve esvazia-se. Falar em greve, hoje, parece ser como falar em vida em Júpiter ou algo assim. Não faz parte da realidade, não está no cotidiano e não tem mais sentido.

Entretanto, em termos essenciais, a greve ainda possui um grande poder transformador. A experiência, pouco analisada, de julho de 2013 é uma amostra disso. A greve geral, que não teve grandes consequências, simplesmente parou o Brasil. Certo, não houve desenvolvimento, não houve resultado prático, mas mostrou que tem força. Há setores que são mais poderosos, como por exemplo o dos transportes. O setor do transporte pode ser comparado com o sistema circulatório do capitalismo. Se não há caminhoneiros, não há transporte de mercadoria, se não há motoristas de ônibus ou condutores de trem, não há proletários. O sistema capitalista para, o que, a longo prazo, poderia resultar em um colapso.
Outro possível papel da greve é o de formação e criação de solidariedade entre os trabalhadores.

A greve ainda significa em última instância, a improdutividade, a inércia, a negação da circulação de mercadoria. É nesse sentido que ela mantém seu potencial revolucionário. O problema é seu sentido, que não deve ser esvaziado e direcionado apenas para questões meramente pontuais, tem de ser vivido, entendido pelos trabalhadores, por aqueles que vivem unicamente de seu trabalho. Ela tem que ser direcionada a um processo de mobilização permanente de confronto entre capital x trabalho. A discussão passará a como se pode canalizar o poder da greve e resignificá-la para algo não mais pontual, mas como um dos mecanismos de confronto entre capital x trabalho e de formação de consciência de classe.

Referências:
CASTRO, Pedro. Greve: Fatos e significados. São Paulo: Ática, 1986.
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